segunda-feira, julho 07, 2014

COMO MOBILIZAR AS MASSAS HUMANAS PARA A GUERRA...



«A morte - cada um, na realidade, está sempre ameaçado - tem de ser anunciada como "sentença colectiva", para que se lhe faça frente activamente. Há, por assim dizer, "tempos declarados da morte", durante os quais esta se volta para um determinado grupo, arbitrariamente seleccionado, no seu todo. «Agora, é contra todos os Franceses» ou «Agora, é contra todos os Alemães». O entusiasmo, com o qual as pessoas acolhem uma tal declaração, tem a sua raiz na cobardia do indivíduo perante a morte. Sozinho, ninguém gosta de a olhar de frente. É mais fácil a dois, quando dois inimigos aplicam, por assim dizer, a sentença um ao outro; e já não é de todo a mesma morte, quando mil vão juntos ao seu encontro. O pior que pode acontecer às pessoas numa guerra, que é morrerem "em companhia", poupa-as à morte enquanto indivíduos, que elas temem acima de tudo.

«Contudo, não acreditam de modo nenhum que o pior vá acontecer. Vêem uma possibilidade de desviar a sentença colectiva, que foi proferida contra eles, e de a passar a outrem. O seu "desviador da morte" é o "inimigo" e tudo o que têm a fazer é antecipar-se a ele. Mais não é preciso do que ser suficientemente rápido e não hesitar um instante perante o negócio da morte. O inimigo vem mesmo a calhar, a sentença foi proferida por ele, foi ele quem primeiro disse: «Morrei!» Recai sobre ele aquilo que ele dirigiu contra os outros. Foi sempre o inimigo quem começou com isso. Ainda que, talvez, não tenha sido ele o primeiro a proferi-la, foi, no entanto, ele que a planeou; e se não a planeou, imaginou-a; se não a imaginou ainda, em breve a "teria" imaginado. A morte como desejo está realmente em toda a parte e não é preciso rebuscar muito profundamente no homem para a tirar cá para fora. 

«A notável e inconfundível alta tensão, que é própria de todos os fenómenos bélicos, tem duas causas: as pessoas "querem antecipar-se à morte" e "agem em massa". Sem esta última condição, não se tem qualquer perspectiva de êxito com a primeira. Enquanto a guerra durar, tem de se continuar a ser massa; e a guerra só está propriamente acabada quando já não se é massa. A perspectiva de uma certa durabilidade, que a guerra oferece à massa enquanto tal, contribuiu muito para a popularidade das guerras. É possível mostrar que a sua densidade e duração, nos tempos modernos, estão relacionadas com as massas duplas, que são muito maiores, as quais são impregnadas pela mentalidade guerreira.»

(In "MASSA e PODER", de Elias Canetti, Ed. Cavalo de Ferro, págs. 85 e 86)
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